quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014


NOTAS PARA A RECORDAÇÃO DO MEU MESTRE CAEIRO - COMENTÁRIO

Ainda que de uma maneira de certo modo difícil de entender, estas notas mostram bem as diferenças entre Alberto Caeiro e Álvaro de Campos. Não há descrição, por mais simples que seja que não termine numa citação filosófica. Assim, o mais simples e direto conceito de Caeiro logo é aproveitado para um complicado raciocínio cheio de filosofia tão característico de Álvaro de Campos.
A religião é mais um tema em apreciação, em que o paganismo e o materialismo clássico são discutidos e onde, mais uma vez o pensamento filosófico entra na argumentação. Tudo é exposto em termos pouco acessíveis utilizando exemplos aparentemente simples, todavia que a mente de Álvaro de Campos tudo complica.
Finalmente, através destas notas á primeira vista tão simples, apercebemo-nos do poeta da objetividade, do imediatismo das emoções, que interpreta o mundo a partir dos sentidos, da visão especialmente, e da simplicidade, que foi Alberto Caeiro. O mesmo que nega a utilidade do pensamento e se mostra um adepto do paganismo. Igualmente Álvaro de Campos se nos apresenta como um futurista, um defensor do sensacionismo e até um certo intimismo, como deixa transparecer nas saudades do mestre.
Hegel, que defende que à natureza inorgânica do espirito, artisticamente expressa na arquitetura, se opõe o princípio inspirador da obra de arte e, afirma que no espirito há um ser subjetivo e uma existência objetiva. Na sua opinião a escultura também não consegue ser a expressão imaterial do espirito, pois necessita de um involucro corporal. É, porem, a representação mais natural do homem, enquanto que a poesia e a pintura são representações naturais, onde a pintura precisa de uma superfície e a linguagem, alem de poder descrever a parte corporal do homem, só ela é capaz de exprimir, com exatidão rigorosa, os sentimentos, isto e a interioridade.
Trabalho realizado por:

Carolina Rodrigues, 5 Turma G Ano 12º

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Notas Para A Recordação Do Meu Mestre Caeiro e Esculturas

  Fernando Pessoa, como temos estudado ao longo das últimas aulas, é mundialmente conhecido pela sua genialidade que se refletiu nos poemas do ortónimo e pelos seus heterónimos, nos quais três deles ganharam maior destaque, sendo eles Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis.
  Entre as centenas de poemas escritos por Fernando Pessoa, uma das obras mais emblemáticas tem como título “Notas Para A Recordação Do Meu Mestre Caeiro” escrita sob a personalidade de Álvaro de Campos. Este heterónimo é fruto de um “súbito impulso por escrever” que Pessoa sentia, sendo caracterizado como sendo um engenheiro naval, licenciado na Escócia. É o heterónimo mais moderno, é bastante emotivo e faz questão de se destacar pelo seu conformismo e agressividade em relação à tradição literária do momento. Álvaro de Campos era o principal discípulo de Alberto Caeiro, por quem tinha uma enorme admiração, considerando-o o seu Mestre.
   Em “Notas Para A Recordação Do Meu Mestre Caeiro”, o poeta começa por explicar o dia em que conheceu Alberto Caeiro, “em circunstâncias excepcionais”, salienta ele. Enquanto passeava com o seu primo pelo Ribatejo, acabou por ir a casa de um amigo do mesmo, que era familiar daquele que iria ser o seu mestre.
   Ao longo da obra, o poeta começa por caracterizar Alberto Caeiro, dizendo que ele era alto, magro, de cabelo louro e olhos azuis. Tal como estudámos anteriormente, Caeiro era uma pessoa bastante objetiva e que expressava tudo de forma bastante clara, natural e simples. Estas características podem ser comprovadas na descrição que Álvaro de Campos escreve acerca dele, como quando afirma que a sua voz era “lançada num tom de quem não procura senão dizer o que está dizendo – nem alta, nem baixa, clara, libre de intenções, de hesitações e de timidezes”. Através da descrição deste heterónimo, é notável a enorme admiração que o poeta sentia por ele. Lamenta ainda o facto de o seu mestre ter partido tão cedo, e relembra que consegue revê-lo em si, naquilo que ele é, e conserva-o para sempre, na sua memória.
   Segundo o poeta, a maioria dos pagãos - não passam disso, de simples pagãos - mas Alberto Caeiro era diferente. Ele não era mais do que isso, ele era o paganismo todo, pelo que Álvaro de Campos defendia. Enquanto que ele era um pagão por revolta e por temperamento, em Caeiro era impossível definir esse paganismo, pois “havia consubstanciação”. Era o mestre que dava voz ao paganismo.
    Alberto Caeiro realça a diferença entre nós, portugueses, e os gregos, que possuíam o conceito e a repugnância do infinito. Neste contexto, Caeiro revelou-lhe uma “conversa assombrosa”. Entre conversas e mais conversas, o tema do materialismo surgiu como assunto. O poeta explica ao seu mestre o que queriam dizer com a expressão “poeta materialista” que o definia, e que ele não sabia o que significava, explicando-lhe as semelhanças entre a sua doutrina e o materialismo. Caeiro discordava, apontando que as pessoas materialistas são “pessoas cegas”, e isto tudo resultou numa discussão entre estas duas personalidades de universos tão distintos.
   Era certo que o eu poético, para além de uma grande admiração pelo seu mestre, considerava-o como uma pessoa que se podia definir usando qualquer frase escrita ou dita por ele. Campos vivia na angústia de não ter estado ao lado do seu mestre no dia em que este morreu por ter estado em Inglaterra. Lamenta ainda que Ricardo Reis também não estivesse lá, apenas Fernando Pessoa, o que era completamente indiferente, porque este sentia as coisas e não tinha reação. Apenas pensar em Caeiro conseguia consola-lo, e guardá-lo-ia para sempre na sua memória.
   Outro passagem que abordamos foi a “Escultura”, escrita por G.W.F. Hegel que aborda o assunto da Arte. O poeta assume que a essência da escultura é puramente material, o que nos leva automaticamente a relembrar a materialidade de Caeiro. Esta apresenta-se de uma maneira homogénea, assim como a poesia simples e precisa do mestre. “O homem tal como é” esta diretamente relacionado com a escultura, e a pintura é a única forma de arte que se pode comparar à poesia. A escultura representa o espiritual e é fiel às formas da natureza, tem regras e põe a perfeição em primeiro lugar. Por outro lado, a pintura, à semelhança da poesia, é algo espontâneo e imperfeito.
 Em suma, e de acordo com a opinião do autor, a escultura tem menos importância do que a poesia, pois esta última tem um carácter menos nítido, menos perfeito. A poesia tem a capacidade de descrever a “configuração e as características exteriores ao homem”, que é susceptível a ser completada através da imaginação do leitor.


quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

NOTAS PARA A RECORDAÇÃO DO MEU MESTRE CAEIRO (algumas delas)

Conheci o meu mestre Caeiro em circunstâncias excepcionais — como todas as circunstâncias da vida, e sobretudo as que, não sendo nada em si mesmas, hão-de vir a ser tudo nos resultados.
Deixei em quase três quartos o meu curso escocês de engenharia naval; parti numa viagem ao Oriente; no regresso, desembarcando em Marselha, e sentindo um grande tédio de seguir, vim por terra até Lisboa. Um primo meu levou-me um dia de passeio ao Ribatejo; conhecia um primo de Caeiro, e tinha com ele negócios; encontrei-me com o que havia de ser meu mestre em casa desse primo. Não há mais que contar, porque isto é pequeno, como toda a fecundação.
Vejo ainda, com claridade da alma, que as lágrimas da lembrança não empanam, porque a visão não é externa... Vejo-o diante de mim, vê-lo-ei talvez eternamente como primeiro o vi. Primeiro, os olhos azuis de criança que não têm medo; depois, os malares já um pouco salientes, a cor um pouco pálida, e o estranho ar grego, que vinha de dentro e era uma calma, e não de fora, porque não era expressão nem feições. O cabelo, quase abundante, era louro, mas, se faltava luz, acastanhava-se. A estatura era média, tendendo para mais alta, mas curvada, sem ombros altos. O gesto era branco, o sorriso era como era, a voz era igual, lançada num tom de quem não procura senão dizer o que está dizendo-nem alta, nem baixa, clara, livre de intenções, de hesitações, de timidezas. O olhar azul não sabia deixar de fitar. Se a nossa observação estranhava qualquer coisa, encontrava-a: a testa, sem ser alta, era poderosamente branca. Repito: era pela sua brancura, que parecia maior que a da cara pálida, que tinha majestade. As mãos um pouco delgadas, mas não muito; a palma era larga. A expressão da boca, a última coisa em que se reparava — como se falar fosse, para este homem, menos que existir — era a de um sorriso como o que se atribui em verso às coisas inanimadas belas, só porque nos agradam — flores, campos largos, águas com sol — um sorriso de existir, e não de nos falar.
Meu mestre, meu mestre, perdido tão cedo! Revejo-o na sombra que sou em mim, na memória que conservo do que sou de morto...
Foi durante a nossa primeira conversa. Como foi não sei, e ele disse: «Está aqui um rapaz Ricardo Reis que há-de gostar de conhecer: ele é muito diferente de si». E depois acrescentou, «tudo é diferente de nós, e por isso é que tudo existe».
Esta frase, dita como se fosse um axioma da terra, seduziu-me com um abalo, como o de todas as primeiras posses, que me entrou nos alicerces da alma. Mas, ao contrário da sedução material, o efeito em mim foi de receber de repente, em todas as minhas sensações, uma virgindade que não tinha tido.
*
Referindo-me, uma vez, ao conceito directo das coisas, que caracteriza a sensibilidade de Caeiro, citei-lhe, com perversidade amiga, que Wordsworth designa um insensível pela expressão:
A primrose by the river's brim
A yellow primrose was to him
 And it was nothing more.
E traduzi (omitindo a tradução exacta de «primrose», pois não sei nomes de flores nem de plantas): «Uma flor à margem do rio para ele era uma flor amarela, e não era mais nada».
O meu mestre Caeiro riu. «Esse simples via bem: uma flor amarela não é realmente senão uma flor amarela».
Mas, de repente, pensou.
«Há uma diferença», acrescentou. «Depende se se considera a flor amarela como uma das várias flores amarelas, ou como aquela flor amarela só».
E depois disse:
«O que esse seu poeta inglês queria dizer é que para o tal homem essa flor amarela era uma experiência vulgar, ou coisa conhecida. Ora isso é que não está bem. Toda a coisa que vemos, devemos vê-la sempre pela primeira vez, porque realmente é a primeira vez que a vemos. E então cada flor amarela é uma nova flor amarela, ainda que seja o que se chama a mesma de ontem. A gente não é já o mesmo nem a flor a mesma. O próprio amarelo não pode ser já o mesmo. É pena a gente não ter exactamente os olhos para saber isso, porque então éramos todos felizes».
*
O meu mestre Caeiro não era um pagão: era o paganismo. O Ricardo Reis é um pagão, o António Mora é um pagão, eu sou um pagão; o próprio Fernando Pessoa seria um pagão, se não fosse um novelo embrulhado para o lado de dentro. Mas o Ricardo Reis é um pagão por carácter, o António Mora é um pagão por inteligência, eu sou um pagão por revolta, isto é, por temperamento. Em Caeiro não havia explicação para o paganismo; havia consubstanciação.
Vou definir isto da maneira em que se definem as coisas indefiníveis — pela cobardia do exemplo. Uma das coisas que mais nitidamente nos sacodem na comparação de nós com os gregos é a ausência de conceito de infinito, a repugnância de infinito, entre os gregos. Ora o meu mestre Caeiro tinha lá mesmo esse mesmo conceito. Vou contar, creio que com grande exactidão, a conversa assombrosa em que mo revelou.
Referia-me ele, aliás desenvolvendo o que diz num dos poemas de «O Guardador de Rebanhos», que não sei quem lhe tinha chamado em tempos «poeta materialista». Sem achar a frase justa, porque o meu mestre Caeiro não é definível com qualquer frase justa, disse, contudo, que não era absurda de todo a atribuição. E expliquei-lhe, mais ou menos bem, o que é o materialismo clássico. Caeiro ouviu-me com uma atenção de cara dolorosa, e depois disse-me bruscamente:
«Mas isso o que é é muito estúpido. Isso é uma coisa de padres sem religião, e portanto sem desculpa nenhuma».
Fiquei atónito, e apontei-lhe várias semelhanças entte o materialismo e a doutrina dele, salva a poesia desta última. Caeiro protestou.
«Mas isso a que V. chama poesia é que é tudo. Nem é poesia: é ver. Essa gente materialista é cega. V. diz que eles dizem que o espaço é infinito. Onde é que eles viram isso no espaço?»
E eu, desnorteado. «Mas V. não concebe o espaço como infinito? Você não pode conceber o espaço como infinito?»
«Não concebo nada como infinito. Como é que eu hei-de conceber qualquer coisa como infinito?»
«Homem», disse eu, «suponha um espaço. Para além desse espaço há mais espaço, para além desse mais, e depois mais, e mais, e mais... Não acaba...»
«Porquê?» disse o meu mestre Caeiro.
Fiquei num terramoto mental. «Suponha que acaba», gritei. «O que há depois?»
«Se acaba, depois não há nada», respondeu.
Este género de argumentação, cumulativamente infantil e feminina, e portanto irresponsável, atou-me o cérebro durante uns momentos.
«Mas V. concebe isso?» deixei cair por fim.
«Se concebo o quê? Uma coisa ter limites? Pudera! O que não tem limites não existe. Existir é haver outra coisa qualquer e portanto cada coisa ser limitada. O que é que custa conceber que uma coisa é uma coisa, e não está sempre a ser uma outra coisa que está mais adiante?»
Nessa altura senti carnalmente que estava discutindo, não com outro homem, mas com outro universo. Fiz uma última tentativa, um desvio que me obriguei a sentir legítimo.
«Olhe, Caeiro... Considere os números... Onde é que acabam os números? Tomemos qualquer número — 34, por exemplo. Para além dele temos 35, 36, 37, 38, e assim sem poder parar. Não há número grande que não haja um número maior. . .»
«Mas isso são só números», protestou o meu mestre Caeiro.
E depois acrescentou, olhando-me com uma formidável infância:
«O que é o 34 na realidade?»
*
Há frases repentinas, profundas porque vêm do profundo, que definem um homem, ou, antes, com que um homem se define, sem definição. Não me esquece aquela em que Ricardo Reis uma vez se me definiu. Falava-se de mentir, e ele disse: «Abomino a mentira, porque é uma inexactidão». Todo o Ricardo Reis — passado, presente e futuro — está nisto.
O meu mestre caeiro, como não dizia senão o que era, pode ser definido por qualquer frase sua, escrita ou falada, sobretudo depois do período que começa do meio em diante de «O Guardador de Rebanhos». Mas, entre tantas frases que escreveu e se imprimem, entre tantas que me disse o relato ou não relato, a que o contém com maior simplicidade é aquela que uma vez me disse em Lisboa. Falava-se de não sei quê que tinha que ver com as relações de cada qual consigo mesmo. E eu perguntei de repente ao meu mestre Caeiro, «está contente consigo?» E ele respondeu: «Não: estou contente». Era como a voz da Terra, que é tudo e ninguém.
*
Nunca vi triste o meu mestre Caeiro. Não sei se estava triste quando morreu, ou nos dias antes. Seria possível sabê-lo, mas a verdade é que nunca ousei perguntar aos que assistiram à morte qualquer coisa da morte ou de como ele a teve.
Em todo o caso, foi uma das angústias da minha vida — das angústias reais em meio de tantas que têm sido fictícias — que Caeiro morresse sem eu estar ao pé dele. Isto é estúpido mas humano, e é assim.
Eu estava em Inglaterra. O próprio Ricardo Reis não estava em Lisboa; estava de volta no Brasil. Estava o Fernando Pessoa, mas é como se não estivesse. O Fernando Pessoa sente as coisas mas não se mexe, nem mesmo por dentro.
Nada me consola de não ter estado em Lisboa nesse dia, a não ser aquela consolação que pensar no meu mestre Caeiro espontaneamente me dá. Ninguém é inconsolável ao pé da memória de Caeiro, ou dos seus versos; e a própria ideia do nada — a mais pavorosa de todas se se pensa com a sensibilidade — tem, na obra e na recordação do meu mestre querido, qualquer coisa de luminoso e de alto, como o sol sobre as neves dos píncaros inatingíveis.
1931
Textos de Crítica e de Intervenção . Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1980. 
 - 267.

Escultura

«À natureza inorgânica do espírito que encontra a sua expressão artística na arquitectura, opõe-se o princípio espiritual que inspira a obra de arte e lhe dá o seu verdadeiro conteúdo. Trata-se aí de um movimento de que conhecemos já a necessidade dialéctica; está implicado no conceito do espírito que se compõe de um ser para si subjectivo e uma existência onjectiva. (...)... também na escultura, o espírito não se exprime ainda  de uma maneira puramente imaterial, ideal; tem necessidade, para se realizar, de uma aparência homogénea, de um invólucro corporal e a arte que é chamada a fornecer-lhe esse invólucro, por outras palavras, a escultura,  apresentará a individualidade espiritual sob a forma de uma manifestação  material imediata e propriamente dita.»

« (...) Pelo que se refere às relações entre a escultura e as outras artes, entre estas últimas, só a poesia e a pintura se podem comparar a ela. Quer se trate de uma estátua isolada ou de um grupo de estátuas, temos diante dos olhos a forma espiritual na sua plena e íntegra corporeidade, o homem tal como é. A escultura parece ser assim a representação do espiritual, a mais fiel e a mais conforme à natureza, ao passo que a poesia e a pintura aparecem como não naturais; porquanto a pintura se serve, em vez da totalidade sensível do espaço que a forma humana e os outros objectos da natureza ocupam realmente, da simples superfície; enquanto a linguagem parece exprimir ainda menos o corporal, sendo, parece, somente capaz de comunicar pelo som as representações relativas a este último.»

«(...) Sob este aspecto, a escultura pode e deve ser considerada como inferior á poesia. Sem dúvida, não se encontra na poesia essa nitidez plástica com a qual a escultura nos apresenta o corporal, mas a poesia pode, também, descrever a configuração e as características exteriores do homem, os seus cabelos, as suas vestes e atitudes, etc., e se esta descrição não tem a exactidão da imagem plástica, é sempre possível completá-la com um esforço de imaginação de que não tem aliás necessidade, para uma simples representação, de uma exactidão rigorosa, mas visa sobretudo a apresentar-nos o homem activo, com os seus móbiles, com as diversas circunstâncias e complicações da sua existência, com todos os seus sentimentos, os seus discursos, com todas as revelações da sua interioridade e todas as suas negociações exteriores. Eis o que a escultura é incapaz de fazer, ou o que não pode fazer senão de uma maneira imperfeita, porque não está em condições de exprimir a interioridade subjectiva, a vida dos sentimentos sob o seu aspecto particular, ou uma série  d exteriorizações, como o faz a poesia. Tudo o que ela sabe exprimir é o lado geral da individualidade, na medida em que se exterioriza no corpo, e as poses ou atitudes sem sequência, tais como existem num dado momento, desprovidas de movimento e de acção progressiva.»

G.W.F. Hegel, Estética  

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Tormenta in Mensagem

"a noite é o fausto do mistério"- a noite é a pompa do desconhecido; é de noite que o desconhecido assume toda a sua grandeza (ou é mais terrível).. "o relâmpago, farol de Deus, um hausto brilha"- o relâmpago reluz por um instante (literalmente: pelo tempo de uma inalação rápida). "e o mar escuro estruge"- o mar estrondeia (faz um estrépito muito alto). Apesar da ilustração que escolhi, o poema é sobre uma tormenta simbólica: a agitação íntima de Portugal que, segundo Pessoa, aspira ser a nação do Quinto Império. E no negrume da ignorância do Seu desígnio, Deus indica-o por um breve instante (supostamente através do próprio F. Pessoa que seria, assim, o "farol de Deus"). Francisco Montez

Calma in Mensagem

Este estranho poema deve ser comparado ao intitulado "Ilhas Afortunadas" que versa o mesmo tema e foi escrito alguns dias mais tarde. É provável que o poema agora intitulado "Calma" tenha sido a primeira versão de "Ilhas Afortunadas" e tenha sido repescado para a última parte de Mensagem que foi preparada com um prazo muito curto e, destinando-se a um concurso que impunha um número mínimo de páginas, obrigava o poeta a incluir mais material do que o que, de outra maneira, poderia ter incluido. Este poema representa uma espécie de tempo de paragem para reflexão, o que talvez tenha justificado o seu nome. "rasgões no espaço que deem para outro lado"- este conceito dos mundos paralelos ou túneis para outros mundos, hoje lugar comum nos contos de ficção científica e parcialmente alvo de estudos pelos físicos teóricos, é altamente surpreendente para a época e suscita a questão de se Pessoa o terá imaginado ou se terá tido notícia dele através de revistas de ficção científica americanas. Francisco Montez

Noite in Mensagem

O poema Noite expressa o desejo de mudança e à acção dos portugueses na construção de um Império futuro, o Quinto Império, mas não um império material, mas sim naquilo que é espiritual e imaterial. A vontade de reabilitar a pátria leva o sujeito poético a relembrar os heróis que permanecem na memória colectiva e que são exemplos do que permitirá reestabelecer a pátria. Neste caso são referidos os irmãos Corte-Real, que intervieram na exploração do Canadá, que são alusivos a um grupo de pessoas que sonhou e superou as dificuldades, adquirindo assim um valor simbólico e espiritual após a sua morte através da sua imortalização devido à sua descoberta. Além da estrutura trinitária da Mensagem, que representa os momentos do herói e o percurso da obra heróica, também este poema d’ “Os Tempos” se associa ao número três visto que se encontra dividido em três momentos e se refere a três irmãos, o que confere ao mesmo número um valor simbólico: representa, assim, a perfeição e a totalidade. O primeiro momento corresponde às duas primeiras estrofes e diz respeito ao passado enquanto tempo da descoberta e da superação refirindo-se, então, aos heróis dos Descobrimentos (“na fé e na lei/ Da descoberta, ir em procura”). O mar tem uma configuração simbólica na medida em que é o local onde os portugueses superaram os limites representando a conquista humana em relação ao conhecimento. Já a terceira e quarta estrofes representam, após a morte concreta dos heróis, o presente, isto é, a decadência do Império (“Cumpriu-se o Mar e o Império se desfez” – in “O Infante”) e a vontade de reabilitação da morte dos dois irmãos, da pátria, concretizada pelo terceiro irmão (“olhos rasos de ânsia/ Fitando a proibida azul distância”). O “Poder” e o “Renome” são a alusão simbólica a dois referentes históricos, os irmãos Corte-Real, que estão aqui desmaterializados para vencer o tempo (natureza do mito). A estrofe final é um apelo a Deus, enquanto entidade abstracta, pelo ressurgimento do Império (“A Deus as mãos alçamos”). O sujeito poético termina com “Mas Deus não dá licença que partamos, determinando, assim, a necessidade de criação de um Império Espiritual e revelando o desejo de um renascimento: está na altura de Portugal se reabilitar enquanto nação, o que se compagina com o louvor a “Deus” (“A Deus as mãos alçamos”). Hugo João